sábado, 15 de outubro de 2011

8 ou 80

Preciso de uma mudança urgente.
E só.
Ando cansada das pessoas e dos lugares.
Das músicas e dos livros também.
De tudo que é oferecido e de tudo que é mantido longe.

Ando de saco cheio de tudo o que é muito constante. Que venham nuances.

Relacionadas: O Porto | No Surprises | 8 ou 80

Dia catorze, sexta à tarde.


Saí de casa com raiva e fiz da nota de R$10 uma bolinha. O cobrador pegou-a, olhou e riu: 
- É incrível o que vocês fazem com o dinheiro.
- É a raiva. Aí a gente desconta no dinheiro.
- É, deve ser raiva mesmo. Mas não precisa descontar no dinheiro.
E ri.
E percebi que esse tipo de simpatia anda muito escassa ultimamente. Que, em meses, só recebi "boa tarde" numa única vez de um cobrador de ônibus.
Estamos nos acostumando a ser cada vez mais frios. Percebem? Parece até deseducado ser educado, se pararmos para pensar, já que há essa acomodação com o silêncio.
Parei de dar bom dia, boa tarde, boa noite ou seja lá o que for, de tantos vácuos em que me abriguei em corredores de prédios da zona sul da cidade. As pessoas simplesmente passam, escutam e vão embora, sem dar ouvidos.
Sei lá o que é isso. Sei lá por que isso.
Sei que nunca haverá evolução humana enquanto formos geladeiras ambulantes, ocos internos em semblantes adoráveis. Aí é ser robô e objeto fácil de manipulação e, para mim, isso não é condição de vida. É prato cheio pra aristocrata atento que mantêm-se no poder.


Para ouvir: Todos Estão Mudos (Pitty)
Para ler: Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Li há um tempo e hoje consigo conectar várias coisas do dia-a-dia com ele. Fantástico. :)

domingo, 11 de setembro de 2011

De vento em popa

        Impossível apagar o passado. Por mais que eu atire no lixo todos os papeis que estavam no fundo da gaveta, que jogue fora cadernos, os destrua, me livre das coisas que ele escreveu, o passado continua dentro de mim. Eu sou passado, sou produto dele. E como produto de um passado recente, sou presente me preparando para um futuro próximo. É um ciclo.
        Não posso abrir a boca pra dizer que o que vivi antes não teve pontos positivos. Digo que aprendi, e muito. Que me fez amadurecer e enxergar outras coisas, que fez com que eu fosse remoldada.
        Por mais que eu tente apagar tudo o que houve, nunca vou conseguir. Carrego na lembrança, no corpo, no que escrevi, no que disse, no que ouvi, na vida. Carrego na ponta dos dedos que seguraram firme a caneta ao despejar no papel a lama em que me chafurdava, os vícios em que me atolava.
        Agora fico leve, como o vento, fico leve. Não por total, mas bem mais leve que antes. É possível quase planar. Quase.
         Enquanto me livro, aos poucos, do peso que vinha carregando desnecessariamente nas costas, deixo levar, ir, voltar, ser, estar. Nada muito fixo ou pré-ordenado. Que seja.
        Que seja!

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Vida

        A vontade de explodir de tanto viver é maior que qualquer fome, desejo ou amor. Como tenho dito bastante nos últimos dias, a vida é linda. A vida existe simplesmente para se viver, arriscar, sentir, expurgar, inserir, absorver, emergir, molecular, criar, pensar, agir, desenhar minúscias. A vida é bem maior que qualquer angústia.
        Cansei de muita melancolia dentro de mim. Tanto cansei que lavei a alma até que não restasse quase nem sombra ou vestígio de tristeza qualquer que fosse. É saudável afogar-se na correnteza que é o curso da vida, mas não num pesadelo em preto e branco recheado de olhos tristes, filmes tristes, músicas tristes, abraços tristes, amores tristes, lembranças tristes.
         Saí do buraco negro em que eu achava que tristeza era sinônimo de beleza. Tudo tem o seu lado belo, mas raios de sol, companhias agradáveis e muito movimento são muito, mas muito mais bonitos que essa solidão inventada.
         Ainda gosto do bom caos, da instabilidade momentânea. Fazem parte do ciclo. Tanto quanto está inserida nesse meio toda a felicidade do mundo. Tanto quanto está inserida toda a felicidade do mundo em mim.
        Que sejam mais sorrisos felizes, mais palavras felizes, mais filmes, músicas, gritos, segredos, ligações, cartas, textos, olhares, mares, amores, milkshakes, ruas, chuvas, lágrimas, quedas, abraços, shows, beijos, vontades, ansiedades, luzes, sóis, luas e verdades felizes!
         Que seja tudo assim, bem feliz, bem vida.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Por onde ele passa

        É no meu corredor que ele passa. Na esquina do neurotransmissor lá no cérebro, é onde ele está todos os dias. Onde deixa o vestígio da saliva da ponta da língua de quando dizia que amava. De quando durava. De quando os olhos brilhavam ao invés de se desvirarem de desgosto e desdém.
        É na minha mão que ele passa. Em cada ruga desenhada e riscada, ele passa. Ainda sinto o cheiro do sorriso que ele estampa na cor da beleza do rosto. O sorriso é bem mais bonito que a dor.
        É na minha alma que ele passa, correndo pelas entranhas, sugando o que há, percorrendo as veias dos braços que abraçam seu corpo tão abraçável. É em mim que ele passa.
        É na minha estante que ele fica, entre Bukowski e os livros que eu lia quando não sabia o que devia ler. Fica lá guardado e escondido, porque eu já conheço toda a história estampada na cara e nas páginas recém-pintadas do livro. A dor ancestral de que tanto fala, eu já sei. Só não sei do resto que mais importa.
        Decidi reler, e descobri: é em mim que ele é.
        É nele que eu sou.

domingo, 17 de julho de 2011

Certas coisas não existem

        Mundo cão. Vida vã. Certas coisas não existem, não hão de existir! Certas coisas não se fazem, não se completam e não se tornam reais. Certas coisas são tão absurdamente insanas que, meu Deus, não teriam o direito de coexistir no meio de tantas felicidades, já que machucam tão fundo.
        O grande pecado consigo mesmo é envolver-se. Deixar-se pertencer ao outro. É sujo, covarde, imbecil e fraco. O amor existe muito mais para machucar que para fazer marcas de bons e furtivos sorrisos deixados pelo caminho, sem lamúrias.
        Outro pecado é tornar tudo irreal. Criar um submundo agradável aos olhos, ouvidos e mente, transformando o outro no personagem ideal, adequado mesmo na vastidão de seus zilhões de defeitos e adoráveis qualidades. Só mais outra irrealidade em que me desenho e desenho os outros personagens utópicos todos os dias.
        E de tanto contemplar a obra, ela se vai. Dissipa-se. Outra hora e me dou conta de que era tudo criado, um feitio meu, uma besteira qualquer comparada aos horrores que ocorrem na sociedade. Cada morte, todos os dias, não é comparável ao quão sofrível pode ser perceber que grande parte do que se vivia não fazia parte do roteiro real.
        Ah, odeio esse sentimento de perda. De que alguma conjunção foi feita da forma errada, que sobrou alguma coisa ou que faltou.
        É péssimo perceber que deixou de haver alguma coisa - talvez minha própria consciência - para fazer de tudo algo firme. Ou para cortar da raiz o irreal. Triste sentir que não existe mais e a dor cortar por dentro.
        Certas coisas não hão de existir. Certas coisas são inacreditáveis, principalmente quando chegam a tal ponto de destruição interna. Talvez exagero, talvez exato.
        Digo que, meu bem, o irreal coexiste com o real e nunca irá acabar por completo. Digo - e posso bem repetir - que esse ácido na ponta da língua pode virar um doce qualquer. Mas que seja doce, ah, que seja. Que queime, mas que de leve. Só para chamuscar as bordas. As bordas do irreal, e não corroê-lo.
        Meu bem, o irreal é tão presente que qualquer dia sou capaz de pagar uma passagem de avião com meus olhos para poder ainda ouvir o que guardo da irrealidade a alguns quilômetros e horas daqui.
        Amor, a ficção é todo dia parte do meu dia e da minha poesia que guardo pelos cantos e momentos e posso facilmente abdicar da história realista para viver uma loucura fantasiada de psicodelia qualquer criada pelos hormônios e neurônios durante todos esses meses. É só necessário que o seu personagem perfeito retorne com as mesmas palavras, os mesmos textos, as mesmas músicas e o mesmo carinho.
        É só. Certas coisas não existem.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Ela disse

"Sou intensa e não conheço o significado da paz. 
Para mim ela é um barco no meio do oceano sem vento que não vai para canto nenhum
Eu preciso que as coisas aconteçam. 
Ter paz deve ser muito chato"
Pitty

terça-feira, 5 de julho de 2011

Madrugada

                - Então não sei bem como vim parar aqui. Sei que, de súbito, senti uma imensa necessidade – dessas absurdas e frequentes – de mudar absolutamente tudo. Juntei algumas roupas numa mala e fui ao aeroporto, com cabelo desgrenhado mesmo, e comprei passagem só de ida. Sei que agora estou em Porto Alegre, de madrugada, num quarto de hotel, sem saber bem o que fazer quando acordar.
                - Mas você conhece algumas pessoas daí, não é?
                - Sim, conheço. Conheço gente em todos os cantos do Brasil. Mas você sabe que tenho um magnetismo forte por este lugar e que é por um motivo – personificado, diga-se de passagem – em específico...
                - Ele?
                - É. Não deveria, mas sabe, precisava. Um tanto idiota me deslocar por mais de quatro horas de avião por alguém que, se brincar, esqueceu-se até do meu nome. Mas eu precisava. Basta a sensação de estar na mesma cidade, de estar geograficamente mais próximos. De ele saber que, sei lá, eu vim. Que merda ser imediatista. Não é?
                - Não faço ideia de como é ser imediatista.
                - Que pena. Porque é bom, apesar de ser ruim. Porque às vezes é saudável correr sem sentido para sentir-se viva. Fazer qualquer tipo de loucura pra provar a mim mesma que eu posso muitas coisas, o mundo conspire a favor ou não. Não sei bem explicar. O fato é que por mais que as coisas deem errado, não me arrependo por fazê-las. Sei lá, sei lá. Deu vontade, peguei o avião, estou aqui. Amanhã penso como vou viver. Tenho que desligar. Boa noite!

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Exercita a paciência

        Eu sou um desacerto. Me perdi de mim, me desgarrei da vida, esqueci meu juízo em qualquer esquina. E o pior: o estado é tão amedrontador, que os olhos arregalados não visualizam o caminho para encontrar a razão de volta. O cérebro já deixou de armazenar as informações vitais.
        Curtir a vida. Perder-se no caos dos dias. Respirar a fumaça, engasgar-se e rir dela impreganando-se no cabelo. É atrativo. Mas não me parece certo, dentro de meus conceitos tortuosos. Ao menos não agora.
        Caos é algo delicioso. Malícia. Tudo em série. Até que pifa a psique, não existe mais sustentação nas beiradas, não existe apoio e as lágrimas lavam o rosto, encharcam lençóis, as palavras prendem-se no nó da língua.
        Não existe mais brecha de paz. A guerra que acontece dentro de mim, comigo mesma, é fruto de uma erupção pessoal constante somada aos acontecimentos corriqueiros. Desgasta. Palavras feias desgastam.
        Parece bonita a intensidade, não é? Pois é uma delícia. Mas há limites. Há um momento, no meio de todas essas coisas, em que tudo o que você quer é parar e ouvir o silêncio. Calmaria também é agradável. Paz também é agradável.
        E felicidade, o que é? Felicidade não possui definição própria, impossível. Existe o conceito de felicidade formulado por cada um. Os ventos que sopram no rosto e o fogo que arde na pele são muito relativos. Que felicidade é essa em que o prazer se dá pelo sofrimento?! Não sei. Não sei, mas suponho que se deva ao fato de sentir-se vivo. Sofrer é, de uma forma ou de outra, uma forma de vida. Para uns - como é para mim - a plenitude, o planar, a paz total não agradam. São precisas diferentes doses de diferentes sensações. Uma vida agridoce. O problema existe, de fato, quando o corpo já transborda caos. Saturação. Então não é mais equilíbrio, não é agridoce. É horrível.
        E quando o caos transborda, o corpo busca incessantemente por uma forma - ou várias formas - de curar as feridas! Às vezes as formas de cura ardem como vinagre em ferimento exposto. Mas é a vida. Não se pode ter todo o prazer do mundo. Não se pode ter toda a tristeza do mundo. Ambos nos levam a declinar, decair, perder o prumo, virar insanos, perdermos a noção, esquecermos a reta, desvirtuar do caminho, deixar de vislumbrar o foco...CAIR!
        E como voltar? Como reencontrar o antigo eu? Ele perdeu-se? É recuperável? Retornará com falhas? É possível melhorar? Por onde começar?
        Nenhuma resposta.
        Não se sabe, simplesmente. É preciso revirar tudo! Começando pelo que me mata. Pelo que corta o prazer pela raiz da raiz da raiz. "A força vem de dentro, você que tem que agarrar o leme e manobrar", como disse a amiga Jess. Mas é preciso encontrar essa força primeiro. E tudo o que eu quero é que ela chegue à minha goela, para que eu possa gritá-la. Para que eu possa reverter o quadro. Ainda há tempo!
        Ainda há tempo.
        Eu espero que ainda haja tempo.

terça-feira, 14 de junho de 2011

toujours laid

"Eu gostava muito dele, das mãos, dos pés, do hálito (mau), dos dentes (escuros), de tudo que era lindo e de tudo que era feio nele". ¹
Gostava daquela depressão chata e daquela lisonja. Das palavras bonitas e dos surtos alcóolicos. Ah, daquela merda de sumir por uns tempos e aparecer depois, sorrindo pelas felicidades que lhe ocorriam vez ou outra. Do afastamento repentino e esquisito. Me deixava na ânsia de saber o que acontecia naquela mente instrospectiva. Me causava mais interesse. Sumiços me deixam curiosa.
Gostava do sorriso. Lindo! Poderia ficar muitas noites refletindo sobre aquele sorriso sem sequer preocupação com o tempo passando pelas minhas pernas, pelos meus braços, pelos cabelos. 
Mas também sentia uma raiva ácida e uma vontade de esganar-lhe o pescoço. Por nada, mesmo. Ou por ciúmes escondidos. Ou pelos sumiços. Ou pelo afastamento.
E o não me amar? Não me amava. E era interessante, porque se fazia. Se fazia na mentira das palavras dóceis que dizia no canto do ouvido e fazia coçar de cosquinha até o tímpano. Sempre sinto vontade de dizer-lhe coisas ruins, mas porque não é bom gostar tanto do outro. Domínio. Porra, não se fica entregue. Não se deixa dominar. Mas domina-se o outro. Ah, sim.
Mas meu cabelo negro era todo seu. A pele transparente também. De uma forma maluca, porque não queria que pertencesse, mas pertencia, de uma forma ou de outra. Porque me permitia pertencer à derme do outro, que por sua vez tinha a minha, e sempre a menos de milímetros de distância. Sempre muito perto. Um perigo.
Me desvirava. Me desvirava no escuro daqueles seus olhos e na claridão do sorriso. Um rosto horrível, mas que me agradava. Que defeitos tão agradáveis!
Tinha amor pelo seu horror.
Mas que era tudo uma mentira, era. Não que seja compreensível, mas era, e se passava tudo em minha mente, como filme. Uma película manchada pelo vinagre da vida. Desbotada e danificada, mas ainda era possível rebobinar e rever as lembranças.
E era mentira.
Et, toujours laid, l'amour.


¹ Caio Fernando Abreu

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Roqueiro

      Dia três de junho. Dia talvez comum, exceto por um fato: aniversário do guitarrista da minha banda preferida. Martin Mendonça, 35 anos, roqueiro, desvirado, guitarrista da banda Pitty, vocal e guitarra do Martin e Eduardo, violão e voz no Agridoce e sumido do Chá de Bebê, além de marido e pai de duas crianças lindas.
      Me admira muito toda essa mágica maluca que ele tem. Penso que deve ter cheiro de ponta de cigarro misturado a Jack Daniel's e um humor de causar sorriso em qualquer rosto.
      Não meço palavras pra dizer que é o guitarrista mais foda desse país. Por isso mesmo só tenho a desejar ainda mais sucesso, novos riffs, muitos bons amps de presente, muita vida ao lado de sua família, muitos shows delirantes, intensidade, amor, dendê, arte, várias garrafas de Jack Daniel's e continuidade ao seu esporte preferido, o levantamento de copo.
      Agora vou me dirigir em primeiríssima pessoa do singular ao rapaz à quem dedico este post: Martã, você é o cara! Vamos sempre te querer perto, mesmo meio longe desse jeito. Vamos sempre te desejar bem, porque você ainda tem muita estrada pra seguir. Vamos também te desejar passagens aéreas e hospedagem em Recife, porque queremos logo um show de Martin e Eduardo por aqui (o aniversário é seu, mas também queremos presente!).
      Viva muito e viva bem, tanto o dia de hoje quando o ano que vem aí. Que tudo seja feliz e carregado de novas experiências.
      E nunca se desvirtue da sua linhagem roqueira.
      E nunca mais deixe seu cabelo assim:

olha só o que eu achei!

      E nunca esqueça de ser feliz. :)

terça-feira, 31 de maio de 2011

O Tempo

      Para falar bem a verdade, sinto medo da velhice. Perder parte da disposição, o sono aumentar, as atividades mudarem de rumo, os objetivos serem cada vez mais divergentes dos que se tem quando jovem, a pele ceder, a vista embaçar ainda mais, a voz mudar, as mãos, braços e pernas enfraquecerem.
      No livro Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley), a velhice é quase inexistente. Embora o tempo passe da mesma forma para todos, o ser-humano não enfraquece e o carregamento de anos e anos não são visíveis aos olhos. Uma sociedade imaginária exageradamente utópica, que me leva a pensar que ainda é melhor que seja assim, imperfeito, dando a oportunidade de vermos o que é, de fato, sustentar oitenta anos de todo tipo de acontecimento e emoção nos olhos, na pele, na falta de força física.
      Minha experiência foi (e de uma parte ainda é) de velhices diferentes. Pude ver quatro formas de se chegar a mais de sessenta anos vivendo arduamente.
      A Velhice 1 me pareceu triste. De alguém que conviveu com a bipolaridade e a diabetes até a morte, suportou cerca de vinte anos sem outro matrimônio, tendo o primeiro e único como uma parcela do inferno: alcoolismo, violência, falta de tato. Morreu sem dor, dormindo, mas na mesma situação de remédios por cima de remédios, cegueira, arrependimentos enormes, sono excessivo, andar lerdo. Uma vida amarga de setenta e poucos anos.
      Não participei da Velhice 2 e nem conheci o protagonista da mesma por questão de conveniência. Bastante triste, também. Lastimável. Alcoolismo, violência, inimizades, nenhum crescimento, solidão. Morreu de AVC, em péssimo estado, sem família e pedindo só mais uma latinha de cerveja, mesmo entubado.
      A Velhice 3 me serve como exemplo de audácia e coragem. Casou aos 16 e foi mãe pouco tempo depois. Três filhos, um morreu quando tinha seus trinta e poucos. O juízo nunca mais foi o mesmo, mas a força continua firme. Dirige, anda por todos os lados, executa todas as tarefas comuns de uma dona de casa e ainda cuida do marido quase sempre hospitalizado. O casamento tem mais de cinquenta anos e ainda afirma "se ele morrer, eu também morro". Sempre de batom vermelho. Sempre jovem. Uma graça.
      Ah, a Velhice 4. Poderia ser roteiro de um livro, mas está estampada nas rugas de um homem senil. Abandonado pela mãe, chamado de "nó" pela madrasta, dormiu na rua, se matou de estudar e construiu um patrimônio que não é pra qualquer um. Tem todo o meu respeito e o de muita gente, uma pessoa rara. Depois da aposentadoria enfrentou doenças de quase morte, cirurgias demais (dentre elas, um transplante), sofrimento desnecessário. Hoje as costelas quebram ao dormir, mas continua vivo, cuidado, amado, sem perder a consciência e a capacidade de julgar fatos. Como em Benjamim Button: mente de jovem em corpo velho.

      Esse negócio de envelhecer é todo esquisito, sempre há alguma sequela, seja física ou psíquica, sempre há. Ainda não cheguei a uma conclusão, já que não consigo me imaginar andando mais devagar, produzindo um tanto menos, talvez, adoencendo com mais facilidade. Mas há prevenção para envelhecimentos tristes: cuidar da saúde física e tentar o máximo possível não enlouquecer de vez ou tornar-se dependente de qualquer coisa desnecessária. Além de aproveitar o tempo e não deixá-lo passar despercebido, pois "esse pode ser o último dia de nossas vidas".

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Incógnita

O sol subia pela muralha azul e límpida rabiscando traços alaranjados e quentes, enquanto lençóis conturbados entre as pernas roçavam os corpos grogues. Alguns lampejos de atos intensos da noite anterior chafurdavam-lhe os cérebros e lançavam um forte desejo de consumo.
                A consciência tinha um ritmo lerdo de retorno, mas a frustração por ter sido breve e o embaraço íntimo iam tomando conta deles aos poucos.
                Queimaram as gargantas com goles de café amargo evitando alguns olhares e questionamentos próprios. Chegaram ao ponto final sem saber lidar com o começo esquecido.
                Sentiram que a ligação fora um vínculo forte e rápido, mas sem volta. O abraço firme fora intenso, porém pouco para corpos frenéticos.
                Enquanto dividiam uma forte vontade calada de repetir tudo, foram calçando os sapatos, ruborizados. Lembravam do tato, do contato olfativo, do espremido entre a parede e os dois.
                O sol já comandava, de cima, a cidade. Foram se distanciando para não ceder ao desejo e deixaram-se seguir suas vidas. Ninguém sabia e nem chegaria a saber o que, como, quando, onde. Muito menos o porquê.

Lusco-fusco

Esse completo desequilíbrio, complexo de nuances, de cores, flores, luzes, notas. Uma vontade insaciável de externar o corpo inteiro, num só refluxo. De roer com ácido o que há de mais puro e tímido.
Incinerar com gosto.
Com os dedos entrelaçar outras mãos, que firmes espremem minha pele contra o sólido. E em vultos rápidos, todo o quente e o frio a consumar-se na vastidão de dois poucos segundos intermináveis de olhares entremeando-se... Lusco-fusco.
Impossível deter criaturas de tal intensidade e vontade de ter, ser, estar.
Possuir todas as dores introduzidas no fundo de sujas e empoeiradas páginas. No oco das linhas tão bem preenchidas pelo amor. Por tudo. Pelas unhas cravadas na derme do outro. Pela cor de solar que perturba a janela e se faz passar por entre as cortinas e toca, de leve, quem dorme, esquecendo a tinta a escorrer gota a gota da caneta direto ao chão, agora manchado.
Que vida suja.
Que casa caótica.
Que falta de sustentação nas beiradas.
Que felicidade incabível.
Que fim.
E fim.

"Beba mais um copo...

...é que logo agora vai começar a história".
A Saideira, música do álbum Anacrônico (2005), da banda Pitty (minha preferida, por sinal) intitula este blog por diversos motivos.
Aqui pode ser um lugar para jogar pensamentos fora, compartilhar tudo que há de confuso, expurgar demônios em comum, pensar, confundir, explorar, trazer à tona, lembrar. Como uma mesa qualquer onde rola sempre um copo de bebida e várias cabeças a funcionar, as bocas a mascar o gosto do debate e, ao fim, a saideira.
E também é lugar de saber bem a qual é. Saber bem o que tem se passado aqui em mente.

"Se sente na pele que chegou a hora

Saber a qual é olhando no olho

Pra alguns isso assusta, mas é tão necessário
Pra ter uma noção do que é real
Pra se ter uma noção do que é real"

Será, de certa forma, "mais um copo quase quente, pra pessoas um tanto frias". Um jeitinho aqui e lá meio agridoce, acre e doce, ora azedo, ora ingerível. De certo, muitas vezes intenso
Se decidir sair, "ei, não vá ainda embora, beba mais um copo, é que logo agora vai começar a história".