terça-feira, 31 de maio de 2011

O Tempo

      Para falar bem a verdade, sinto medo da velhice. Perder parte da disposição, o sono aumentar, as atividades mudarem de rumo, os objetivos serem cada vez mais divergentes dos que se tem quando jovem, a pele ceder, a vista embaçar ainda mais, a voz mudar, as mãos, braços e pernas enfraquecerem.
      No livro Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley), a velhice é quase inexistente. Embora o tempo passe da mesma forma para todos, o ser-humano não enfraquece e o carregamento de anos e anos não são visíveis aos olhos. Uma sociedade imaginária exageradamente utópica, que me leva a pensar que ainda é melhor que seja assim, imperfeito, dando a oportunidade de vermos o que é, de fato, sustentar oitenta anos de todo tipo de acontecimento e emoção nos olhos, na pele, na falta de força física.
      Minha experiência foi (e de uma parte ainda é) de velhices diferentes. Pude ver quatro formas de se chegar a mais de sessenta anos vivendo arduamente.
      A Velhice 1 me pareceu triste. De alguém que conviveu com a bipolaridade e a diabetes até a morte, suportou cerca de vinte anos sem outro matrimônio, tendo o primeiro e único como uma parcela do inferno: alcoolismo, violência, falta de tato. Morreu sem dor, dormindo, mas na mesma situação de remédios por cima de remédios, cegueira, arrependimentos enormes, sono excessivo, andar lerdo. Uma vida amarga de setenta e poucos anos.
      Não participei da Velhice 2 e nem conheci o protagonista da mesma por questão de conveniência. Bastante triste, também. Lastimável. Alcoolismo, violência, inimizades, nenhum crescimento, solidão. Morreu de AVC, em péssimo estado, sem família e pedindo só mais uma latinha de cerveja, mesmo entubado.
      A Velhice 3 me serve como exemplo de audácia e coragem. Casou aos 16 e foi mãe pouco tempo depois. Três filhos, um morreu quando tinha seus trinta e poucos. O juízo nunca mais foi o mesmo, mas a força continua firme. Dirige, anda por todos os lados, executa todas as tarefas comuns de uma dona de casa e ainda cuida do marido quase sempre hospitalizado. O casamento tem mais de cinquenta anos e ainda afirma "se ele morrer, eu também morro". Sempre de batom vermelho. Sempre jovem. Uma graça.
      Ah, a Velhice 4. Poderia ser roteiro de um livro, mas está estampada nas rugas de um homem senil. Abandonado pela mãe, chamado de "nó" pela madrasta, dormiu na rua, se matou de estudar e construiu um patrimônio que não é pra qualquer um. Tem todo o meu respeito e o de muita gente, uma pessoa rara. Depois da aposentadoria enfrentou doenças de quase morte, cirurgias demais (dentre elas, um transplante), sofrimento desnecessário. Hoje as costelas quebram ao dormir, mas continua vivo, cuidado, amado, sem perder a consciência e a capacidade de julgar fatos. Como em Benjamim Button: mente de jovem em corpo velho.

      Esse negócio de envelhecer é todo esquisito, sempre há alguma sequela, seja física ou psíquica, sempre há. Ainda não cheguei a uma conclusão, já que não consigo me imaginar andando mais devagar, produzindo um tanto menos, talvez, adoencendo com mais facilidade. Mas há prevenção para envelhecimentos tristes: cuidar da saúde física e tentar o máximo possível não enlouquecer de vez ou tornar-se dependente de qualquer coisa desnecessária. Além de aproveitar o tempo e não deixá-lo passar despercebido, pois "esse pode ser o último dia de nossas vidas".

Um comentário:

  1. Hoje eu estava justamente refletindo sobre "dependência"... Tema abrangente e propício a questionamentos e pensamentos pronfundos.

    Adorei seu texto, é um olhar bem focado e diferente e a música no final com idéias quase-contrarias.

    Lindo, voltarei sempre!

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