terça-feira, 14 de junho de 2011

toujours laid

"Eu gostava muito dele, das mãos, dos pés, do hálito (mau), dos dentes (escuros), de tudo que era lindo e de tudo que era feio nele". ¹
Gostava daquela depressão chata e daquela lisonja. Das palavras bonitas e dos surtos alcóolicos. Ah, daquela merda de sumir por uns tempos e aparecer depois, sorrindo pelas felicidades que lhe ocorriam vez ou outra. Do afastamento repentino e esquisito. Me deixava na ânsia de saber o que acontecia naquela mente instrospectiva. Me causava mais interesse. Sumiços me deixam curiosa.
Gostava do sorriso. Lindo! Poderia ficar muitas noites refletindo sobre aquele sorriso sem sequer preocupação com o tempo passando pelas minhas pernas, pelos meus braços, pelos cabelos. 
Mas também sentia uma raiva ácida e uma vontade de esganar-lhe o pescoço. Por nada, mesmo. Ou por ciúmes escondidos. Ou pelos sumiços. Ou pelo afastamento.
E o não me amar? Não me amava. E era interessante, porque se fazia. Se fazia na mentira das palavras dóceis que dizia no canto do ouvido e fazia coçar de cosquinha até o tímpano. Sempre sinto vontade de dizer-lhe coisas ruins, mas porque não é bom gostar tanto do outro. Domínio. Porra, não se fica entregue. Não se deixa dominar. Mas domina-se o outro. Ah, sim.
Mas meu cabelo negro era todo seu. A pele transparente também. De uma forma maluca, porque não queria que pertencesse, mas pertencia, de uma forma ou de outra. Porque me permitia pertencer à derme do outro, que por sua vez tinha a minha, e sempre a menos de milímetros de distância. Sempre muito perto. Um perigo.
Me desvirava. Me desvirava no escuro daqueles seus olhos e na claridão do sorriso. Um rosto horrível, mas que me agradava. Que defeitos tão agradáveis!
Tinha amor pelo seu horror.
Mas que era tudo uma mentira, era. Não que seja compreensível, mas era, e se passava tudo em minha mente, como filme. Uma película manchada pelo vinagre da vida. Desbotada e danificada, mas ainda era possível rebobinar e rever as lembranças.
E era mentira.
Et, toujours laid, l'amour.


¹ Caio Fernando Abreu

Nenhum comentário:

Postar um comentário