domingo, 17 de julho de 2011

Certas coisas não existem

        Mundo cão. Vida vã. Certas coisas não existem, não hão de existir! Certas coisas não se fazem, não se completam e não se tornam reais. Certas coisas são tão absurdamente insanas que, meu Deus, não teriam o direito de coexistir no meio de tantas felicidades, já que machucam tão fundo.
        O grande pecado consigo mesmo é envolver-se. Deixar-se pertencer ao outro. É sujo, covarde, imbecil e fraco. O amor existe muito mais para machucar que para fazer marcas de bons e furtivos sorrisos deixados pelo caminho, sem lamúrias.
        Outro pecado é tornar tudo irreal. Criar um submundo agradável aos olhos, ouvidos e mente, transformando o outro no personagem ideal, adequado mesmo na vastidão de seus zilhões de defeitos e adoráveis qualidades. Só mais outra irrealidade em que me desenho e desenho os outros personagens utópicos todos os dias.
        E de tanto contemplar a obra, ela se vai. Dissipa-se. Outra hora e me dou conta de que era tudo criado, um feitio meu, uma besteira qualquer comparada aos horrores que ocorrem na sociedade. Cada morte, todos os dias, não é comparável ao quão sofrível pode ser perceber que grande parte do que se vivia não fazia parte do roteiro real.
        Ah, odeio esse sentimento de perda. De que alguma conjunção foi feita da forma errada, que sobrou alguma coisa ou que faltou.
        É péssimo perceber que deixou de haver alguma coisa - talvez minha própria consciência - para fazer de tudo algo firme. Ou para cortar da raiz o irreal. Triste sentir que não existe mais e a dor cortar por dentro.
        Certas coisas não hão de existir. Certas coisas são inacreditáveis, principalmente quando chegam a tal ponto de destruição interna. Talvez exagero, talvez exato.
        Digo que, meu bem, o irreal coexiste com o real e nunca irá acabar por completo. Digo - e posso bem repetir - que esse ácido na ponta da língua pode virar um doce qualquer. Mas que seja doce, ah, que seja. Que queime, mas que de leve. Só para chamuscar as bordas. As bordas do irreal, e não corroê-lo.
        Meu bem, o irreal é tão presente que qualquer dia sou capaz de pagar uma passagem de avião com meus olhos para poder ainda ouvir o que guardo da irrealidade a alguns quilômetros e horas daqui.
        Amor, a ficção é todo dia parte do meu dia e da minha poesia que guardo pelos cantos e momentos e posso facilmente abdicar da história realista para viver uma loucura fantasiada de psicodelia qualquer criada pelos hormônios e neurônios durante todos esses meses. É só necessário que o seu personagem perfeito retorne com as mesmas palavras, os mesmos textos, as mesmas músicas e o mesmo carinho.
        É só. Certas coisas não existem.

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